quarta-feira, 10 de abril de 2013

Seja Marginal, Seja Herói

Por Victor Serebrenick


À medida que nos aproximamos dos megaeventos no Rio de Janeiro a lista das remoções só aumentam: Vila Autódromo(28 anos de ocupação), Providência(116), Mangueira(33), Favela do Sambódromo(27), Vila das Torres(53), Belém-Belém(41), Vila Harmonia(102) e a lista não para mais. Os removidos são os anti-heróis, os marginalizados na marcha do glorioso futuro da cidade, surgem novos todos os dias, os últimos a terem destaque foram os moradores do Horto, muitos são idosos que nasceram no local e hoje são chamados de invasores na capa do jornal O Globo.

Nos anos 1960 no bairro do Maracanã, nas cercanias dos finados Museu do Índio e estádio Mário Filho, onde hoje está a UERJ havia uma comunidade chamada Favela do Esqueleto, lá habitava um malandro de currículo, chamado Cara de Cavalo. Traído pelo bicheiro foi perseguido por um grupo clandestino de policiais, após matar o delegado na tentativa de fuga acabou criando um dos mais notórios grupos de extermínio em torno da sua morte.

O marginal não podia sobreviver, com mais de cem disparos foi esburacado pela Scuderie Le Cocq, sendo ele a primeira vítima deste esquadrão de extermínio que chegaria a ter alcance nacional e sete mil membros, tudo isso com apoio do regime militar; em São Paulo, o líder do grupo se transformou no mais temido torturador do regime, o delegado Fleury; e foi um de seus presidentes, o delegado e deputado Sivuca, que cunhou a frase “Bandido bom é bandido morto”, que segue “e enterrado em pé pra não ocupar muito espaço”.


A febre remocionista nos anos 60 foram iniciadas no governo de Carlos Lacerda e passou pela Praia do Pinto e Catacumba, além dos 495 barracos Favela do Esqueleto, cujas famílias foram espalhadas pelo subúrbio e zona oeste da cidade:

“Muitas pessoas eu nunca mais encontrei. Naquela época, tinha o malandro, o jogo de roda, ninguém na favela conhecia a cocaína. O clima era muito tranqüilo” Dilmo, ex-morador.

Seu colega e contemporâneo das quadras da Mangueira, Hélio Oiticica usou a imagem impactante do cadáver para produzir  a "Homenagem à Cara de Cavalo" e depois o poema-bandeira à seu amigo Seja Marginal, Seja Herói. A sociedade descrita por Oiticica através de suas obras marginaliza e mata seus cidadãos, o anti-herói é aquele que deve ser varrido para debaixo do tapete.
Oiticica e o bólide "Homenagem à Cara Cavalo"
O avanço do projeto de cidade global carioca atinge diretamente os setores mais vulneráveis da sociedade e expõe uma falsa política direitos humanos, já que não é para todos, em que as vítimas são transformadas em vilões pelo governo e pela mídia. A privatização e sucatização dos serviços públicos nos rebaixa à todos ao status de sub-cidadãos cariocas, regidos pelos interesses da  especulação imobiliária à frente dos nossos direitos. A resistência às remoções cria os heróis da marginalidade na sua luta para não sumir, na nossa luta para não sumir.


"Seja Marginal, Seja Herói", de Hélio Oiticica

Nenhum comentário:

Postar um comentário