sexta-feira, 5 de abril de 2013

Aquela Dívida Está Bem Viva - I


Por Victor Serebrenick
         
        Em 1982 o México se declarava falido e assim se dava início um efeito dominó no, então, Terceiro Mundo. Passando por diversos países se via o mesmo cenário: o Estado não tinha como pagar suas dívidas externas e teria de pedir ajuda aos “amigos ricos”, reunidos em torno do Fundo Monetário Internacional. A “Crise da Dívida” nasceu na busca terceiro mundista de desenvolvimento econômico a qualquer preço, reforçou a dependência histórica do Sul, pobre e colonizado, frente aos seus antigos senhores do Norte e atingiu principalmente os menos beneficiados pelos investimentos que criaram a dívida. No auge do desenvolvimento setentista o general Médici deu a dica: “A economia vai bem, mas o povo vai mal”.
Pode-se começar essa história de outro jeito: nos idos dos anos 1970 nos países pobres o lema era expandir suas economias para assim poder bancar a inserção do país na divisão internacional do trabalho, a ordem do dia era investir e investir do jeito que fosse. A crise do petróleo de 1973 gerou os chamados petrodólares, em que o aumento do preço do óleo enriqueceu os produtores que inundaram o sistema internacional de liquidez(muita grana), mais especificadamente os bancos estadunidenses e britânicos; essa montanha de dinheiro foi emprestada à países que queriam investir pesado na expansão econômica, como o nosso Brasil ditatorial. Em 1980 mais uma crise do dólar causada pelo conflito Ocidente-Oriente Médio faz subir o preço do petróleo e assim a liquidez internacional; seguindo a lógica economicista a liquidez levou à inflação, por isso o BC dos EUA aumenta seus juros e quem pegou dinheiro com eles agora tem aquela dívida aumentada, aliada à queda das commodities a situação fica dramática para os endividados e chega ao ponto de partida do texto, uma crise geral dos pobres.
            A crise da dívida assolou o terceiro mundo com inflação, estagnação e o seu “casamento”, a temível estagflação, em que o trabalhador não tem aumento e tudo fica mais caro. A década de 1980, que ganhou o apelido de perdida, foi o símbolo dessa situação, que além de levar a bancarrota limitou a independência dos países afetados que deveriam seguir à cartilha neoliberal do FMI, que facilitava o pagamento dos juros dos empréstimos, mas não buscava o desenvolvimento social junto com o "acerto das contas", e aí está o problema. Nesse contexto começa também a luta para anulação das dívidas externas dos países pobres por meio do movimento anti-globalização, segundo o geógrafo Milton Santos, um dos teóricos do movimento, a integração econômica no fim do século XX nos levou à uma “globalização como perversidade” (2000). A centralidade do desenvolvimento econômico per se do livre capitalismo moderno gera uma evolução negativa por meio do acirramento do comportamento competitivo,
Em 2013 o mundo pobre continua a ter de pagar dívidas externas, que limitam sua independência e desenvolvimento. Em 1996 foi criada a iniciativa Países Pobres Muito Endividados, em que os países do G7, por meio do FMI e Banco Mundial visam resolver esse problema com anulação da dívida em seis anos. Infelizmente essa ideia parece ter desvanecido e se limita a fazer os pagamentos acontecerem, implementando continuamente sua cartilha neoliberal, que segundo relatório da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas impede a implementação de serviços sociais básicos à população, expõem os fracos mercados à concorrência internacional e assim continua o ciclo da dependência precária.
                   

O Brasil, por meio de uma política de aliança liberal nos governos PSDB-PT, cresceu sua poupança externa, parece ter aprendido a lição dos anos 1980 e não sentiu as crises do Norte do mesmo jeito dos que devem mais do que tem. Ao mesmo tempo que o país se adequa à regras que um dia o PT e toda esquerda chamavam de criminosas em relação ao povo, o governo advoga a anulação da dívida de países muito pobres ao dar o exemplo perante certas dívidas africanas ao Brasil.
O endividamento é mais que um problema econômico, faz parte de um sistema em que “endividar países periféricos é a aliança que se estabelece entre empresas, bancos e Estados dos países centrais” (BENAKOUCHE, 2013)A luta, atualmente institucionalizada no Comitê para Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), pela anulação das dívidas externas dos países pobres é um passo muito importante para os países que lutaram com vidas por independência política anos atrás e ainda buscam maior soberania sobre seus futuros.

PS: Sobre os problemas da dívida brasileira falamos depois.



SANTOS , Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, Rio de Janeiro, Record, 2000.
Os Números da dívida 2012. http://cadtm.org/Os-numeros-da-divida-2012
BENAKOUCHE, Rabah. Bazar da Dívida Externa Brasileira, São Paulo, Boitempo, 2013.

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