quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Chile: um golpe da elite internacional

*Por Rafael Rezende
Nesse 11 de setembro completa-se 40 anos do golpe civil militar no Chile que derrubou o governo da Unidade Popular, comandada por Salvador Allende. Aquele país que nos anos 1930 havia sido a primeira república socialista do continente - mesmo que por apenas treze dias – agora era lançado na vala comum das violentas ditaduras que dominavam a região. Estavam enterradas as esperanças de boa parte da esquerda mundial que via na experiência chilena “um modelo democrático, pluralista e libertário”¹. Era a possibilidade de provar a viabilidade da construção do socialismo através da democracia.

Apesar de fazer parte do mesmo ciclo de golpes civil militares, o caso chileno possui especificidades interessantes. A primeira é a ingerência direta dos EUA, que além dos tradicionais financiamentos a grupos ultra direitistas, think tanks liberais, ações de sabotagem e propaganda contra revolucionária, dessa vez planejaram e participaram da execução do golpe. Não é de se estranhar que só no primeiro ano o governo da Unidade Popular estatizou 47 indústrias, mais da metade do sistema financeiro e todas as jazidas de cobre do país. O Chile havia alcançado o pleno emprego, os salários estavam 40% mais altos² e a classe trabalhadora começava, mesmo que de forma bem limitada, a exercer algum poder. Nada pode assustar mais um capitalista do que a formação em tão pouco tempo de um cenário como esse.

A segunda especificidade para a qual quero atentar é a utilização do Chile como laboratório do neoliberalismo. Para isso é preciso compreender que muito mais do que um modelo econômico, o neoliberalismo é um projeto político. Esse projeto foi pensado e posto em prática por uma elite internacional com o intuito de restaurar seu poder de classe³. Essa elite elegeu o Chile, um país pequeno, com níveis sociais acima da média da região e lar de uma ditadura feroz, que atropelaria qualquer resistência da classe trabalhadora, como o espaço geopolítico ideal para a experimentação das políticas neoliberais que posteriormente seriam propagadas para o resto do mundo.

Muitos trarão números soltos para mostrar que no final das contas o Chile conseguiu um certo nível de desenvolvimento sob a égide do neoliberalismo, no entanto esses mesmos negligenciam os montantes investidos pelos EUA naquela economia para que a mesma funcionasse razoavelmente bem. Trata-se do que Immanuel Wallerstein chamou de “desenvolvimento a convite”4. Se bem analisada, é fácil perceber que a experiência chilena na verdade foi menos um laboratório de políticas econômicas do que um golpe de publicidade.

As vidas que foram ceifadas, as horas de tortura vividas por muitos, a repressão e o silêncio são o preço pago pelo povo chileno por viver num modelo que lhe foi imposto. Salvador Allende vive na esperança daqueles que sonham e lutam por um mundo onde os interesses de poucos não determinem a tragédia de muitos.

¹ Salvador Allende - A via chilena para o socialismo
² Gabriel García Marquez - Chile, o golpe e os gringos
³ David Harvey - O Neoliberalismo
4 Immanuel Wallerstein - The Capitalist World Economy

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Ditadura do precarizado

*Por Victor Serebrenick

Em 1955 José Sarnei assume seu primeiro cargo político, deputado federal no Maranhão pelo PSD, partido varguista da elite agrária, em seguida passa para a conservadora UDN, onde é eleito governador do estado. Chegada a ditadura ele passa ao partido do governo, a ARENA, e se perpetua na política nacional, não tendo participado de apenas de dois governos nesses 60 anos, coincidentemente os dois presidentes impugnados, João Goulart e Fernando Collor. Ao ser eleito em 1965 ao governo do Maranhão ele pede à um jovem cineasta baiano para filmar sua posse, Glauber Rocha assume a tarefa e produz um curta. Ali está a contradição da política não-democrática da ditadura, que tem em Sarney seu grande símbolo, as promessas eleitorais vem junto à miséria extrema e viraram situação de praxe no Brasil: Maranhão 66.
Somente 56 anos após a República o Brasil instaura a democracia partidária, o breve período democrático de 1945 a 1964 dava inicio a uma estrutura política de âmbito nacional, arrasada pelo golpe, que passa a recriar um sistema democrático dentro da ditadura. Os abusos aos direitos humanos não foram iniciados com o golpe em 1964, mas é nesse período que a barbárie indiscriminada é institucionalizada por todo país, a crença do inimigo interno é mais forte que nunca. O MDB é criado em 1966 e vira base de sustentação de um arquétipo de democracia, uma oposição interna do regime, aliados que cumprem papeis diferentes. Presidente do partido da ditadura e principal articulador contra as diretas, José Sarney é o primeiro presidente civil desde o golpe militar. 
"Foi um caso típico do “transformismo”, caracterizado por Gramsci, em que se muda a forma de dominação para preservar seu conteúdo." 
Uma das principais heranças malditas da ditadura é a precarização dos serviços públicos, a democracia criada pelos milicos arruinou o sistema de ensino que avançava, muitos professores são exilados ou proibidos de dar aula tanto em faculdades como em colégios. Na Ditadura Militar é criada a ideia de que escola pública gratuita é subversiva. Assim como a educação, a degradação do sistema de saúde levou ao deslocamento de parte dos setores populares e da classe media para o atendimento privado, o que fez que grande parte do orçamento dessas famílias fosse destinado para essas despesas, o que se tornou algo natural. Escola e saúde pública foram se degradando e se tornaram “coisa de pobre”.

A economia da ditadura que impressionava nos números do PIB arrasava os mais pobres com redução progressiva do poder de compra do trabalhador, do início ao fim da década de 1970 passou de 103 para 147 o total de horas trabalhadas necessárias para comprar a alimentação básica. A tese seria de que precisaríamos primeiro crescer o bolo da economia para depois reparti-lo, mas os ganhos do “milagre” econômico nunca foram divididos e firmaram nosso país como multicampeão em desigualdade, que chegou ao máximo durante os anos neoliberais e só na última década começou a diminuir essa horrível estatística do nosso país.


“A verdade é dura, a rede globo apoiou a ditadura”. O grito das ruas é representativo, mas limitado, as organizações Globo representam a aliança entre a elite industrial e político-militar criada naquela época, que por meio de concessões transformaram este grupo midiático num monopólio da informação da informação no Brasil, somente aqui um grupo controla tanto a comunicação midiática e ao mesmo tempo somente no Brasil tantos políticos são donos de jornais, canais de televisão e estações de rádio. Sarney se beneficiou das concessões da ditadura e no seu governo superou o recorde de seu predecessor, Figueiredo, de 634 para 1028 novas emissoras, foram 91 para parlamentares e 29 para seus familiares em apenas 3 anos. O “coronelismo eletrônico” controla a maioria das transmissoras do Maranhão, que ainda tem como dono do segundo maior grupo de mídia o atual ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, e assim a democracia continua refém dos poderes estabelecidos. O artigo 54 da CF 1988 proíbe a posse de concessionárias de serviços públicos por Deputados e Senadores, mas nada é feito. Mesmo quando a esquerda chega ao poder a força autoritária da democracia brasileira impede qualquer progresso, o atual Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, não avança a luta contra a democratização da mídia, mesmo sendo esta uma causa histórica e atual do seu partido, o PT, logo virou mais um queridinho dos monopólios.

A desigualdade, a mal política e o desrespeito aos direitos humanos não são naturais do brasileiro, dos diferentes povos e etnias que aqui vivem. Diversos fatores e atores mudaram a estrutura social do país e é papel e dever dos brasileiros de hoje reconhecerem aonde erramos e como podemos melhorar. Os crimes da ditadura devem ser resolvidos na Comissão da Verdade, o autoritarismo desses governantes está em consonância com a Polícia Militar, que deve ser extinguida, mais investimentos para saúde e educação, a nossa arcaica estrutura midiática precisa ser democratizada e instituída uma ampla reforma política. A necessidade e efetividade de uma nova constituinte são entendidas pela elaboração da Constituição Federal de 1988, que por não estar atrelada a mandatos pode ter mais liberdade e independência dos vícios "sarneysianos". O Brasil não é Sarney, até porque se o José Ribamar(Ferreira de Araújo Costa Sarney) pode mudar o nome(Sarnei pra Sarney) pra ser chique, podemos mudar umas regras pra não sermos mais o Brazil dos outros.