terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Cabano Eu Cabano Tu

*Por Victor Serebrenick

Pra ler ouvindo: Nação Zumbi -Rios, Pontes & Overdrives

Mais uma data no apêndice da história do Brasil: o 7 de Janeiro marca a tomada de Belém pelos cabanos (“ribeirinhos”), se encaixa nos estudos obrigatórios de revoltas do período regencial e lá fica.  Está na hora de tomar as rédeas e escrevermos a história. Não há espaço para homem cordial  na revolta, a estória do brasileiro de índole pacífica não cabe nas ruas, não cabe dentro de nós.  A ideia de povo simpático e sensual é a fantasia compensatória da negação do conflito entre nós, a violência que não existe em 1835 ou 2014.

A naturalização da opressão permite e legitima a reprodução brutal da desigualdade. Somos o país do preto sub-humanizado, dos índios dizimados, do nordestino faminto, do conflito incessante por formas de sobrevivência massacrantes, nosso grito de independência não vem de Pedro e sim dos que foram massacrados pedindo liberdade. Os que clamam por mais e mais riquezas como caminho único da salvação tupiniquim caem na cilada do Pau Brasil, que hoje chamamos de soja tipo exportação.

"Casa Grande e Senzala', de Gilberto Freyre,  dá cara ao país unido, que vive em harmonia ao incorporar a barbárie à normalidade, a escravidão  ganha ares românticos nos colos da mãe preta. Na escola aprendemos sobre a pacificidade do Brasil. Mentira! Nunca se viu tanto sangue derramado quanto nas terras brasilianas, só em Cabanos foi-se um terço da população do Grão-Pará, como sempre a maioria era de negros, índios e mulatos.

A reafirmação de uma noção de  desenvolvimento brasileiro composta pelo mal original da nossa formação ibérica faz como único caminho possível para o avanço a barbárie. A favelização faz parte do grande progresso urbano, o índio só morre porque está no caminho do futuro e no final das contas o culpado da não realização da profecia brasileira ainda é a ralé, que mantém nosso caráter pré-moderno e pede pra ser morta. Assim é contada a história do Brasil.
                         
Se 2013 foi o ano da revolta, em 1648 o povo expulsou os holandeses em Guararapes,  em 1835 com a revolta dos Cabanos tomou-se o poder pelo fim do autoritarismo regencial, a fome fez negros e mulatos se rebelarem na Bahia em 1798 na Conjuração dos Alfaiates. A lista é bem grande e tem de ser revista:  Revolta da Vacina, Canudos e Rafael Vieira. Enquanto a estória continuar contando que o fodido é culpado da própria opressão que sofre seremos uma nação sem sentido, sem identidade.