Pra ler ouvindo: Nação Zumbi -Rios, Pontes & Overdrives
Mais uma data no apêndice da história do Brasil: o 7 de
Janeiro marca a tomada de Belém pelos cabanos (“ribeirinhos”), se encaixa nos
estudos obrigatórios de revoltas do período regencial e lá fica. Está na hora de tomar as rédeas e escrevermos
a história. Não há espaço para homem cordial na revolta, a estória do brasileiro de índole
pacífica não cabe nas ruas, não cabe dentro de nós. A ideia de povo simpático e sensual é a
fantasia compensatória da negação do conflito entre nós, a violência que não
existe em 1835 ou 2014.
A naturalização da opressão permite e legitima a reprodução
brutal da desigualdade. Somos o país do preto sub-humanizado, dos índios
dizimados, do nordestino faminto, do conflito incessante por formas de
sobrevivência massacrantes, nosso grito de independência não vem de Pedro e sim
dos que foram massacrados pedindo liberdade. Os que clamam por mais e mais riquezas
como caminho único da salvação tupiniquim caem na cilada do Pau Brasil, que hoje
chamamos de soja tipo exportação.
"Casa Grande e Senzala', de Gilberto Freyre, dá cara ao país unido, que vive em harmonia ao
incorporar a barbárie à normalidade, a escravidão ganha ares românticos nos colos da mãe preta.
Na escola aprendemos sobre a pacificidade do Brasil. Mentira! Nunca se viu
tanto sangue derramado quanto nas terras brasilianas, só em Cabanos foi-se um
terço da população do Grão-Pará, como sempre a maioria era de negros, índios e
mulatos.
A reafirmação de uma noção de desenvolvimento brasileiro composta pelo mal
original da nossa formação ibérica faz como único caminho possível para o
avanço a barbárie. A favelização faz parte do grande progresso urbano, o índio
só morre porque está no caminho do futuro e no final das contas o culpado da
não realização da profecia brasileira ainda é a ralé, que mantém nosso caráter
pré-moderno e pede pra ser morta. Assim é contada a história do Brasil.
Se 2013 foi o ano da revolta, em 1648 o povo expulsou os
holandeses em Guararapes, em 1835 com a
revolta dos Cabanos tomou-se o poder pelo fim do autoritarismo regencial, a fome fez negros e
mulatos se rebelarem na Bahia em 1798 na Conjuração dos Alfaiates. A lista é
bem grande e tem de ser revista: Revolta
da Vacina, Canudos e Rafael Vieira. Enquanto a estória continuar contando que o
fodido é culpado da própria opressão que sofre seremos uma nação sem sentido,
sem identidade.