domingo, 11 de janeiro de 2015

A possibilidade e o desejo: uma dialética da ação política

*Rafael Rezende
** Este texto foi montado a partir do rascunho de um artigo que será lançado futuramente. 

Toda ação política, podendo ser entendida como intervenção consciente sobre certo cenário de disputa, está confinada entre as possibilidades e os desejos dos atores disputantes. Esse fato é ainda mais expressivo quando se trata de atores engajados em mudanças mais ou menos radicais: seus desejos lhe dão longas asas que permitem voos longínquos ao passo que seu pescoço está preso ao solo por uma corrente chamada possibilidades. Como então lidar com uma circunstância tão delicada? A dialética pode ser a resposta.

É muito comum que atores que ignoram ou desconhecem o caráter dialético desta relação pervertam-se politicamente, seja através do pragmatismo vazio das possibilidades, seja através do isolacionismo paralisante dos desejos. Os primeiros docilmente aceitam a corrente e abdicam de voar, enquanto os segundos se imaginam livres mas acabam por voar em círculos sobre o mesmo lugar. Ambos têm em comum o fato de não lograrem nenhum adejo significativo rumo ao horizonte da transformação radical.

Um olhar um pouco mais atento sobre o passado nos evidencia que toda ação política radical bem sucedida soube equilibrar-se entre possibilidades e desejos, entre a utopia e o real. De forma alguma isto significaria uma leitura estática da dialética entre desejos e possibilidades onde o atrelamento de um ao outro geraria alguma forma de circulo vicioso, muito pelo contrário, a dialética é necessariamente uma movimentação contraditória que constitui um novo repleto de continuidades e rupturas. A ação, a história enquanto movimento criativo e destrutivo, é o fundamento desta concepção de dialética, portanto, voar é preciso.

Se voar é preciso, como faze-lo com uma corrente tão curta nos prendendo ao solo? Voando. Apenas o voo pode tensionar a corrente que é ao mesmo tempo inquebrável e moldável. Assim como defendia um bolchevique assassinado no México e muitas vezes acusado de voluntarista, na relação entre consciência e desenvolvimento das forças produtivas é preciso que a primeira dê um passo à frente. Este passo só pode ser produto da imaginação e da criatividade. A ausência delas é hoje a maior doença que assola os radicais isolados nos desejos ou perdidos no possível imediato.

É preciso que os radicais voltem a imaginar um horizonte mais além - talvez até um mundo sem horizonte - que essa imaginação não se prenda ao possível e tampouco o ignore. A criatividade deve traduzir-se em afetos e práticas e assumir-se transformadora, rebelde e instituinte. A práxis radical exige uma imaginação radical assim como o conservadorismo exige a domesticação criativa. “Liberdade para pensar, mas só até certo ponto”, dizem os conservadores. Partir deste ponto, derruba-lo enquanto fronteira do imaginável e colocar a história em movimento é o papel dos radicais.