domingo, 29 de junho de 2014

A Copa de Junho

*André Seibel

Tentei esboçar qualquer tipo de raciocínio quando nas jornadas de junho de 2013. De alguma forma, imbuído pelo instinto coletivo e estando nas ruas muitas das vezes – em alguns momentos de tensão – travei. O raciocínio não é bem uma qualidade espontânea. Agora, de alguma forma ainda imprecisa, tento refletir o ocorrido há um ano atrás. É momento de Copa do Mundo – e a cidade está cheia de gringos, como esteve cheia de peregrinos e como esteve cheia de muitas coisas nos últimos 12 meses que se passaram.

É difícil dizer e ter qualquer linha simples, cronológica, do que houve em junho e como viemos parar aqui um ano depois. O sentimento é que os eventos se sucederam quanticamente. Lembro que naquela altura, na tentativa de compreender os acontecimentos, deparar-se com sociólogos e historiadores proferindo absurdos, me pareceu um belo retrato da cena que vivíamos. Em um só dia na rua, era possível se escancarar com tudo que é evidente e passou muito tempo domado à rotina, e ao mesmo tempo, duvidar do que se via e o que se era dito, como se não passasse tudo de uma simulação superficial de uns poucos que pareciam muitos.

Hoje, ainda não tenho um pensamento definido sobre o que houve. E talvez somente a peneira do tempo nos faça entender melhor as coisas. O tempo elege seus fatos, apesar de tudo. E depois de chutar uma bomba de gás lacrimogêneo e assistir a Rio Branco literalmente em chamas, em um novo junho, assistindo o passar das estações no metrô para um jogo da Copa, uma senhora vestida de amarelo me aborda pedindo informação. Com o filho e um semblante de muita história nos olhos ela me diz que ganhou dois ingressos numa campanha de uma marca de bombons. “Dois ingressos num sorteio, concorrendo com mais de cem mil”. O valor de cada ingresso era R$ 270,00, e não os venderia por nada nesse mundo.

Quase chegando ao Maracanã, ela disse que vinha de Santa Cruz na Zona Oeste e ficou feliz ao saber que o meu ingresso custava R$ 30,00. “Não sabia que tinham ingressos tão baratos”. Disse que iria votar na Dilma, e eu disse o mesmo. Resolveu tirar uma foto comigo. Ela e o filho. No caminho, acabamos nos perdendo no meio da multidão de argentinos e bósnios. Alguma coisa ali me insuflou de um espírito que eu só tive no ano passado, e que parece latente quando a multidão se esvazia. Alguma coisa ainda não revelada, e que talvez seja comum a cada pessoa.

Instintivamente, tudo retoma a normalidade. Na volta, um vagão iluminadamente sóbrio e moderno, lotado de trabalhadores pós-expediente com seus rostos cansados dividindo espaço com as caras rosadas de argentinos – que saltam duas estações depois. O povo permanece, sentido Pavuna. Mas algo suspenso ali soa melhor, na medida que as pessoas se dispersam. Algum tipo de consenso, uma conurbação não declarada que altera o senso comum.

Lembrei da senhora de amarelo dizendo que as manifestações agora já não faziam mais sentido. Talvez nunca tivessem feito. Talvez a violência seja sintomática ao desejo que as coisas permaneçam como estão. Talvez a rua vazia nos esvazie de perguntas. Talvez as respostas estejam nos pequenos gestos. Talvez estejamos indo bem, apesar de tudo. Talvez o Brasil perca a Copa e vença a eleição. Talvez sejamos feitos de contradições. O tempo trará novas perguntas - vamos torcer.



P.S. Hoje teve Copa, mas o metrô não passou em Costa Barros. Uma manifestação contra a PM interditou a via depois do falecimento de Luiz Felipe, de 3 anos, morto com uma bala perdida de fuzil na cabeça enquanto dormia.