domingo, 14 de abril de 2013

Os quatro cavaleiros do esquerdismo

Por Rafael Broz

As pessoas ingênuas e totalmente inexperientes pensam que basta admitir os compromissos em geral para que desapareça completamente a linha divisória entre o oportunismo contra o qual sustentamos e devemos sustentar uma luta intransigente, e o marxismo revolucionário ou comunismo. Mas essas pessoas, se ainda não sabem que todas as linhas divisórias na natureza ou na sociedade são variáveis e até certo ponto convencionais, só podem ser ajudadas mediante o estudo prolongado, a educação, a ilustração e a experiência política e prática”¹.

O esquerdismo, a doença infantil do comunismo, descrito por Lenin, compartilha muitas caracteríscticas com o apocalipse profetizado pelo apóstolo João no último livro do Novo Testamento. Assim como o apocalipse, o esquerdista dividirá de forma autoritária o que é o bem, seus pares, e o mal, todos o resto. Suas palavras supostamente são a própria revelação. Sua ascensão, a revolução comunista, é entendida por ele como o retorno do messias salvador, uma necessidade histórica pela qual o esquerdista aguarda impaciente assim como o cristão aguarda o arrebatamento. Sendo assim, lhes apresento aos quatro cavaleiros do esquerdismo.

O primeiro cavaleiro traz consigo a separação entre teoria e prática. A tradição marxista sempre deu um imenso valor à práxis, especialmente o próprio Marx. Não é preciso ir à fundo em suas obras para perceber que se há um divórcio entre teorização e prática política sua militância estará gravemente comprometida. É impossível transformar as circunstâncias dos nossos viveres sem teorizar, tampouco é possível apreender de forma meramente contemplativa uma vez que a “vida social é essencialmente prática”². Mesmo assim são muitos os que se isolam da prática política, seja se internando na religiosidade, na academia, na burocracia ou em alguma causa.

O segundo cavaleiro traz o purismo. Ignorando que a política se dá nas relações e como tudo na vida é repleta de contradições, o purista prega justamente o contrário e se declara virtuoso, não passível de erros, guardião das mais belas tradições. Seu comportamento corresponde ao de uma velha beata que passa o dia na janela a vigiar as ações dos vizinhos. A denúncia se torna então a sua única ferramenta de ação política: “pelego, revisionista, traidor”, grita o purista para tudo e todos.

O terceiro cavaleiro traz o sectarismo. Uma vez que o purismo já é dominante torna-se impossível dialogar com qualquer que não seja eu mesmo ou os meus. Expressões como construir pontes, estabelecer trocas e aprender com o diferente já não significam nada para aquele que se sente possuidor da verdade enquanto ser iluminado. Sinais de paranoia também são frequentes. As organizações sectárias “acabam funcionando como seitas, nascidas da cisão e condenadas à cissiparidade, portanto fundadas sobre uma renúncia à universalidade”³.

O quarto e último cavaleiro traz consigo a sabotagem. Já estando enraizados o purismo e o sectarismo, frutos da separação entre a teoria e a prática, a sabotagem é uma consequência quase que natural. Qualquer processo dirigido por qualquer outra agrupação que não a sua, deve ser combatido - pela denúncia - pois nada que não venha dele e dos seus pode ser considerado puro o suficiente.

Após a passagem dos quatro cavalheiros, o agora esquerdista total, contaminado pela paranoia e pela ira, desorientado no seu fundamentalismo, comumente acaba flertando ideologicamente com as práticas e discursos conservadores. São muitos os que enveredaram por esse caminho e muitos outros que acabaram internados em alguma torre de marfim. É sempre desagradável, pois poucos seres são tão chatos quanto um ex-comunista.



¹ Lenin -Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo. Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/lenin/1920/esquerdismo/cap05.htm#topp
² Karl Marx - A ideologia alemã
³ Pierre Bourdieu – O poder simbólico

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