domingo, 13 de julho de 2014

Não é só um jogo  

*Rafael Broz

Futebol pode ser muitas coisas, menos só um jogo, como uns tantos ainda defendem. Aqui o conceito de fetichismo, tal como concebe Marx, me parece muito apropriado para a análise. Marx dizia que as mercadorias carregavam consigo, de forma abstrusa, relações sociais. Assim também é o futebol. Não se trata só de um jogo, de um evento, de um estádio (jamais me renderei a babaquice marqueteira que é chamar estádio de “arena”), estamos falando do esporte mais popular do planeta, de uma atividade que mobiliza bilhões de dólares e de vidas. Futebol é negócio, esporte, arte, política, afeto e o que mais que vocês queiram que ele seja.

A copa do mundo, que foi sim a melhor de todos os tempos, carrega consigo, assim como um cubo mágico, múltiplas faces móveis que podem e devem ser exploradas e deslocadas. Convivem nessa Copa a coreografia do time alemão e os milhares de removidos, a ótima organização e hospitalidade do nosso país e a xenofobia de uns e outros, a redenção do futebol ofensivo e a ultra militarização das favelas, um estado de exceção positivo onde vale abandonar o trabalho e ficar bêbado numa terça-feira à tarde e um estado de exceção negativo onde é possível ser preso pelo simples fato de manifestar-se politicamente. A glória, a vergonha, o êxtase e a humilhação nunca caminharam tão juntos. Nossos sentimentos estão confusos.

O coração e a mente não são camas de solteiro aonde só descansa um. É possível amar e odiar a mesma pessoa da mesma forma que admirar o futebol e estar ativo na luta política ou não, afinal ninguém é obrigado a politizar-se e tomar partido das disputas do país assim como ninguém tem a obrigação de gostar de futebol. A ideia de que existe algum tipo de contradição nessa atitude é tão fantasiosa quanto a carta da Dona Lúcia.

A nossa existência é demasiadamente efêmera e fugaz e o que nos resta são os presentes que a história nos brinda. Me sinto feliz por ter sido agraciado com uma copa do mundo, esse grande almoço de domingo das nações, bem realizada no meu país, pela chance de ver essa brilhante geração de jogadores de diversas nacionalidades e por toda a alegria e diversão que tive nas últimas semanas. Por outro lado sinto que faltou Brasil. Faltou Brasil nas arquibancadas, faltou Brasil em campo, faltou Brasil na política. Que a vitória nos ensine que nosso país pode sim ser tudo que queremos que ele seja, que os brasileiros somos pessoas fantásticas e que nossas culturas são maravilhosas. Com as derrotas devemos repensar nosso futebol, nosso modelo de desenvolvimento, nossas relações.

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