Tentei esboçar qualquer tipo de raciocínio quando nas jornadas de junho de 2013. De alguma forma, imbuído pelo instinto coletivo e estando nas ruas muitas das vezes – em alguns momentos de tensão – travei. O raciocínio não é bem uma qualidade espontânea. Agora, de alguma forma ainda imprecisa, tento refletir o ocorrido há um ano atrás. É momento de Copa do Mundo – e a cidade está cheia de gringos, como esteve cheia de peregrinos e como esteve cheia de muitas coisas nos últimos 12 meses que se passaram.
É difícil dizer e
ter qualquer linha simples, cronológica, do que houve em junho e
como viemos parar aqui um ano depois. O sentimento é que os eventos
se sucederam quanticamente. Lembro que naquela altura, na tentativa
de compreender os acontecimentos, deparar-se com sociólogos e
historiadores proferindo absurdos, me pareceu um belo retrato da cena
que vivíamos. Em um só dia na rua, era possível se escancarar com
tudo que é evidente e passou muito tempo domado à rotina, e ao
mesmo tempo, duvidar do que se via e o que se era dito, como se não
passasse tudo de uma simulação superficial de uns poucos que
pareciam muitos.
Hoje, ainda não tenho
um pensamento definido sobre o que houve. E talvez somente a peneira
do tempo nos faça entender melhor as coisas. O tempo elege seus
fatos, apesar de tudo. E depois de chutar uma bomba de gás
lacrimogêneo e assistir a Rio Branco literalmente em chamas, em um
novo junho, assistindo o passar das estações no metrô para um jogo
da Copa, uma senhora vestida de amarelo me aborda pedindo informação.
Com o filho e um semblante de muita história nos olhos ela me diz
que ganhou dois ingressos numa campanha de uma marca de bombons.
“Dois ingressos num sorteio, concorrendo com mais de cem mil”. O
valor de cada ingresso era R$ 270,00, e não os venderia por nada
nesse mundo.
Quase chegando ao
Maracanã, ela disse que vinha de Santa Cruz na Zona Oeste e ficou
feliz ao saber que o meu ingresso custava R$ 30,00. “Não sabia que
tinham ingressos tão baratos”. Disse que iria votar na Dilma, e eu
disse o mesmo. Resolveu tirar uma foto comigo. Ela e o filho. No
caminho, acabamos nos perdendo no meio da multidão de argentinos e
bósnios. Alguma coisa ali me insuflou de um espírito que eu só
tive no ano passado, e que parece latente quando a multidão se
esvazia. Alguma coisa ainda não revelada, e que talvez seja comum a
cada pessoa.
Instintivamente, tudo
retoma a normalidade. Na volta, um vagão iluminadamente sóbrio e
moderno, lotado de trabalhadores pós-expediente com seus rostos
cansados dividindo espaço com as caras rosadas de argentinos – que
saltam duas estações depois. O povo permanece, sentido Pavuna. Mas
algo suspenso ali soa melhor, na medida que as pessoas se dispersam.
Algum tipo de consenso, uma conurbação não declarada que altera o
senso comum.
Lembrei da senhora de
amarelo dizendo que as manifestações agora já não faziam mais
sentido. Talvez nunca tivessem feito. Talvez a violência seja
sintomática ao desejo que as coisas permaneçam como estão. Talvez
a rua vazia nos esvazie de perguntas. Talvez as respostas estejam nos
pequenos gestos. Talvez estejamos indo bem, apesar de tudo. Talvez o
Brasil perca a Copa e vença a eleição. Talvez sejamos feitos de
contradições. O tempo trará novas perguntas - vamos torcer.
P.S. Hoje teve Copa,
mas o metrô não passou em Costa Barros. Uma manifestação contra a
PM interditou a via depois do falecimento de Luiz Felipe, de 3 anos,
morto com uma bala perdida de fuzil na cabeça enquanto dormia.
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