“As
pessoas ingênuas e totalmente inexperientes pensam que basta admitir
os compromissos em geral para que desapareça completamente a linha
divisória entre o oportunismo
contra
o qual sustentamos e devemos sustentar uma luta intransigente, e o
marxismo revolucionário ou comunismo. Mas essas pessoas, se ainda
não sabem que todas as linhas divisórias na natureza ou na
sociedade são variáveis e até certo ponto convencionais, só podem
ser ajudadas mediante o estudo prolongado, a educação, a ilustração
e a experiência política e prática”¹.
O esquerdismo, a doença infantil do comunismo, descrito por Lenin,
compartilha muitas caracteríscticas com o apocalipse profetizado
pelo apóstolo João no último livro do Novo Testamento. Assim
como o apocalipse, o esquerdista dividirá de forma autoritária o
que é o bem, seus pares, e o mal, todos o resto. Suas palavras
supostamente são a própria revelação. Sua ascensão, a revolução
comunista, é entendida por ele como o retorno do messias salvador,
uma necessidade histórica pela qual o esquerdista aguarda impaciente
assim como o cristão aguarda o arrebatamento. Sendo assim, lhes
apresento aos quatro cavaleiros do esquerdismo.
O primeiro cavaleiro traz consigo a separação entre teoria e
prática. A tradição marxista sempre deu um imenso valor à práxis,
especialmente o próprio Marx. Não é preciso ir à fundo em suas
obras para perceber que se há um divórcio entre teorização e
prática política sua militância estará gravemente comprometida. É
impossível transformar as circunstâncias dos nossos viveres sem
teorizar, tampouco é possível apreender de forma meramente
contemplativa uma vez que a “vida social é essencialmente
prática”². Mesmo assim são muitos os que se isolam da prática
política, seja se internando na religiosidade, na academia, na
burocracia ou em alguma causa.
O segundo cavaleiro traz o purismo. Ignorando que a política se dá
nas relações e como tudo na vida é repleta de contradições, o
purista prega justamente o contrário e se declara virtuoso, não
passível de erros, guardião das mais belas tradições. Seu
comportamento corresponde ao de uma velha beata que passa o dia na
janela a vigiar as ações dos vizinhos. A denúncia se torna então
a sua única ferramenta de ação política: “pelego, revisionista,
traidor”, grita o purista para tudo e todos.
O terceiro cavaleiro traz o sectarismo. Uma vez que o purismo já é
dominante torna-se impossível dialogar com qualquer que não seja eu
mesmo ou os meus. Expressões como construir pontes, estabelecer
trocas e aprender com o diferente já não significam nada para
aquele que se sente possuidor da verdade enquanto ser iluminado.
Sinais de paranoia também são frequentes. As organizações
sectárias “acabam funcionando como seitas, nascidas da cisão e
condenadas à cissiparidade, portanto fundadas sobre uma renúncia à
universalidade”³.
O quarto e último cavaleiro traz consigo a sabotagem. Já estando
enraizados o purismo e o sectarismo, frutos da separação entre a
teoria e a prática, a sabotagem é uma consequência quase que
natural. Qualquer processo dirigido por qualquer outra agrupação
que não a sua, deve ser combatido - pela denúncia - pois nada que
não venha dele e dos seus pode ser considerado puro o suficiente.
Após a passagem dos quatro cavalheiros, o agora esquerdista total,
contaminado pela paranoia e pela ira, desorientado no seu
fundamentalismo, comumente acaba flertando ideologicamente com as
práticas e discursos conservadores. São muitos os que enveredaram
por esse caminho e muitos outros que acabaram internados em alguma
torre de marfim. É sempre desagradável, pois poucos seres são tão
chatos quanto um ex-comunista.
¹ Lenin -Esquerdismo:
Doença Infantil do Comunismo. Disponível em:
http://www.marxists.org/portugues/lenin/1920/esquerdismo/cap05.htm#topp
² Karl Marx - A ideologia alemã
³ Pierre Bourdieu – O poder simbólico
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