Por Rafael Broz
O presente de uma sociedade nada mais é do que fruto de um amontoado de ruínas enxergado por nós como uma cadeia de acontecimentos que conveniamos chamar de história. Queira ou não ela sempre estará aqui sendo “objeto de uma construção cujo o lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de agoras”¹. Ninguém foge a história.
Há diversas formas de uma sociedade
lidar com sua história, mas podemos dividir grosseiramente entre a consciência
e o recalque. Na primeira forma ela é encarada, ainda que de forma distinta,
entre opressores e oprimidos. Na segunda forma a sociedade, por diferentes
motivos, não consegue encarar sua história de frente e a recalca. O recalque
não quer dizer que a história não está lá, ela apenas não consegue ser acessada
de forma consciente e portanto continuamos a viver o amontoado de ruínas
simulando não conhecê-lo.
A sociedade brasileira é recalcada.
É como se jamais tivéssemos vivido o genocídio indígena a escravidão e a
ditadura civil-militar. É como se estivesse lá, num passado remoto e
inacessível sem nenhuma relação com a realidade das coisas atuais, o agora.
Será que é só uma triste coincidência 69,1% dos homicídios de jovens entre 2002
e 2010 terem vitimados negros e negras enquanto a brancos e brancas são 30,6%
dessa estatística ²?
Sem encarar a história é impossível
transformá-la. Defender as cotas raciais nas universidades públicas é
confrontar quatro séculos de escravidão que produziram uma sociedade racista da
qual o negro e o índio sempre foram excluídos enquanto portadores de direitos.
Apoiar a demarcação de terras indígenas e quilombolas é abraçar o direito desde
sempre usurpado desses povos às suas terras, suas culturas, suas vidas.
As atrocidades contra minorias não
são um privilégio nosso. Deste modo podemos nos inspirar na ousadia de
experiências alheias que buscam se relacionar de forma clara e aberta com a
história. É o caso da Alemanha em relação às vítimas do nazismo, da Argentina
ao julgar os militares envolvidos em assassinatos e torturas e dos EUA que
criou leis de proteção adicional aos direitos civis de negros em estados com
histórico de racismo.
Que país é esse onde coisas como
essas ainda precisam ser ditas? Um que não encara a própria história mesmo que
as cicatrizes estejam alí escancaradas implorando por algum cuidado.
¹
Walter Benjamin – Sobre o conceito da história
² Mapa
da violência – A cor dos homicídios no Brasil. http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_cor.pdf
Nenhum comentário:
Postar um comentário