sexta-feira, 19 de julho de 2013

“Eles não sabem o que estão dizendo!”


*Por Victor Serebrenick

um dia desses em São Paulo…
– Victor, esse papo da mídia, de manipulação e controle, já passou. A gente já superou isso, né ?
– Mas a Globo que diz o que e como temos que ouvir sobre o mundo, seguido pelas outras mídias monopolistas que restringem nossa informação.
– Globo? Eu nem assisto, já recebo toda informação na internet, facebook, não tenho esses problemas.
– Aham...então o que voce acha de pinheirinho*?
– Não sei o que é.

As “manifestações de Junho” começaram com a luta pelo transporte público encabeçada pelo MPL de SP, depois a torrente de pessoas à rua assumiu diversas faces: o nacionalismo, uma maré anticorrupção moralista, ataques aos governantes, movimentos sociais bradaram pelos direitos humanos e inclusive discursos desconexos da realidade nacional, como piadas de séries de ficção. Em meio à essa pluralidade toda via-se as mais diferentes demandas, o brasileiro quer ver e ser visto, queremos nos comunicar.

A primeira rede social de grande alcance, o Orkut, foi aos poucos invadida pelos brasileiros, que monopolizaram o site e criaram sua própria dinâmica. Em seguida vimos diferentes personalidades brasileiras virarem os mais seguidos do twitter; agora o facebook, onde milhões se mobilizaram para sair às ruas, ferramenta usada por 84% dos presentes pra se organizar na grande passeata do dia 20 no Rio.

O brasileiro não tem uma característica específica que o faz interagir mais nas redes sociais, não temos um gene especial, então, qual seria a causa desta situação? A resposta bate no velho clichê da esquerda: a Rede Globo e o monopólio da mídia no país, o país continua a ter um dos sistemas de comunicação menos inclusivo do mundo.

O monopólio da mídia é o monopólio da construção da realidade por meio das informações que chegam até nós. Num país tão grande e diverso como o nosso apenas alguma famílias decidem o que devemos saber sobre o que acontece com a coletividade nacional. Essa aberração favorece a alienação, a desinformação e o desrespeito da Constituição de 1988, além da posse de canais de tevê, rádio e jornais por políticos, como a Rede Bahia, que repassa o sinal da Globo e pertence à família de ACM. Lá o prefeito é o neto do “caudilho” e nunca se falou mal de Antônio Carlos.

Além do controle da informação do que acontece longe de nós, o monopólio da mídia se alia à criminalização da pobreza e ataca a organização popular. São inúmeros casos de prisões e processos contra radialistas comunitários e o fechamento das estações. Caso emblemático é dos irmãos Roberto e Raimundo da Silva, que dirigiam uma rádio para cegos em Belo Horizonte e tiveram a estação fechada e o primeiro condenado a dois anos de prisão. Ele não aprendeu que no país dos Marinho os Silva não tem direito ao microfone.

Temas como desmilitarização da polícia, passe livre e descriminalizaçãoo dos movimentos sociais, que foram pauta da plenária pós-protestos no Rio de Janeiro, são totalmente desconhecidos do grande público, que só recebe a palavra da Globo e sua reverberação. O povo sai às ruas para falar o que pensa, existe uma ânsia por comunicação, todos querem saber as demandas dos manifestantes, inclusive os manifestantes.

Aos poucos o caos da manifestação espontânea cria células de organização e informação, ativistas online como Rafucko e suas esquetes, a cobertura da mídia ninja, entre outros, produzem e divulgam as indignações das ruas, mas o caminho ainda é longo e passa invariavelmente pela democratização da mídia no Brasil.


* O caso Pinheirinho: em Janeiro de 2012 milhares de moradores foram violentamente expulsos da comunidade Pinheirinho, no interior de São Paulo, não houve repercussão na grande mídia que atuou junto ao governo do Estado de SP, judiciário e mídia numa das mais notórias ações de criminalização da pobreza da história recente do país.


terça-feira, 9 de julho de 2013

São tempos de guerra civil permanente

*Por Pedro Diaz

“A essência da maturidade humana é a capacidade de viver com
verdades relativas, com perguntas para as quais não há resposta
e com as paradoxais incertezas da existência.” 
Paul Watzlawick

São tempos de uma guerra civil mundial permanente, endêmica e aberta, moderada e violenta, por dentro e por fora das guerras localizadas e mundiais. Pelo século XX e XXI, o que se verifica é essa revolução social permanente, subjacente as mais diversas formas de integração e fragmentação, acomodação e contradição, sempre em classes, grupos técnicos, de gêneros, religiosos, etc. Transbordam as fronteiras nacionais, avançando além de fronteiras continentais.

Esse é o mundo com o qual se forma o novo ciclo de expansão e transformação do capitalismo, constitui o globalismo, o novo palco da história, no qual se confrontam o neoliberalismo, o nazi fascismo e o neo socialismo. A mesma fábrica global, ou máquina do mundo, com a qual se forma a sociedade civil mundial, compreende estruturas mundiais de poder e configura a globalização pelo alto. Ai se fermenta um novo ciclo da revolução burguesa, simultaneamente com um novo ciclo da revolução socialista, vistas como revoluções mundiais. Paulatinamente uns e outros são desafiados a reconhecer que participam dessa mesma fábrica ou máquina. Indivíduos e coletividades, classes e grupos sociais, povos e nações, cultura e civilizações, em diversos arranjos, mesclam-se, integram-se, tencionam-se e se confrontam.

A expansão democrática no pós-guerra, repressão nos anos 1960, as lutas de resistência reaparecem nos 1970 e se tornam política alternativa de massas nos 1980, foi desarticuladas pela recomposição social e técnica e pela força política da reestruturação capitalista neoliberal global nos anos 1990. Mas no novo século cabe refazer a pergunta sobre os limites e a possibilidade do agir coletivo e da cidadania, circunscritas nas megacidades.

A crise orgânica global, dos padrões de produção e consumo, apresenta um grau de violência que se projeta no endividamento e na exclusão sócio-espacial. O protesto social transborda na razão inversa das chamadas pseudo políticas, dos factóides e das falsas necessidades, seus limites e formas podem se redefinir na medida em que se reforça a cultura de direitos.

Aos poucos, ou de repente, abalam-se os quadros sociais e mentais de referência de uns e outros, em todo o mundo. Todos são desafiados a re-situar-se no novo mapa do mundo. As forcas produtivas e as relações de produção, em moldes capitalistas, desenvolvem-se intensiva e extensivamente por todo o mundo, rearticulando e fortalecendo as redes e teias sistêmicas, tanto quanto acentuando e generalizando processos de desarticulação e fragmentação, também em escala mundial.

Tudo que é sólido e estável se volatiliza, tudo o que é sagrado é profano, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobriedade e sem IILUSÕES sua posição na vida e suas relações recíprocas. Tal processo de DESENCANTAMENTO do mundo adquire novos desenvolvimentos de ciência e técnica, culturais e sociais, econômicas e politicas, sempre margeando ou permeando, resistindo ou utilizando a lógica do capital.

Quando o trabalhador se aproxima de seu produto final, revela-se também o produto material ou espiritual do próprio trabalhador, como individuo e coletividade, dando espaço a outras formas de sociabilidade e forcas sociais. Lutam e reivindicam a “globalização desde baixo”, democratização dos processos globalizantes, eliminar desigualdades sociais e possibilidades para autodeterminação. Começamos a enxergar a multidão como não definida por ideologias isoladas, mas como uma comunidade em sua multiplicidade e multiculturalismo.

O desenvolvimento da técnica dispôs a ciberpolítica e a ciberdemocracia a se relacionar com a constituição do espaço público, palco de mobilização e ocupação das ruas. A periferia vai ao centro e a explosividade e a violência real e simbólica se apresentam como um dos desafios do contra-espetáculo. Os dilemas para os agentes, dos discursos da ordem e para a auto-organização da multidão definem parte das questões éticas ligadas a uma superação da cultura do medo e do fascismo social.

A questão é a da politização da cultura de direitos versus o autoritarismo, a alienação e a segregação. A autonomia e a autogestão são concepções que se fortalecem, já que a era das redes coloca instrumentos técnicos e organizativos poderosos para avançar na direção de uma outra economia, de outra articulação entre a distribuição dos recursos, formas de poder, formas de propriedade e modos de implementação das políticas públicas.

A formação e o desenvolvimento da sociedade civil mundial deparam-se com o desafio de voltar a considerar as condições e possibilidades de realização da democracia politica e social. O que tem sido realizado precariamente no âmbito da sociedade nacional recoloca-se como objetivo e ideal, ou possibilidade e tragédia, no âmbito da sociedade mundial.


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Calendário de Lutas do Rio de Janeiro

02/07 - 10h - Debate coletivo sobre reforma política com alunos e professores do IESP. Rua da Matriz, 82, Botafogo.
02/07 - 12h30 - Concentração UFRJ - ATO NA MARÉ - ESTADO QUE MATA, NUNCA MAIS! Bandejão. 
(https://www.facebook.com/events/547894645245837/?ref=3)
02/07 - 15h - Ato ecumênico em memória dos mortos da Maré - ESTADO QUE MATA, NUNCA MAIS! Avenida Brasil, passarela 9. 
(https://www.facebook.com/events/377928428975235/?fref=ts)
03/07 - 12h - Ato do movimento estudantil Niteroiense pelo Passe Livre Irrestrito. (https://www.facebook.com/events/472183099541798/?ref=23)
03/07 - 17h - OCUPE A REDE GLOBO - Assembleia Temática "Democratização da Mídia". R. Von Martius, 22 - Jardim Botânico. 
(https://www.facebook.com/events/562115547160522/?ref=25)
03/07 - 17h - Pré encontro ENPOP. Segurança Pública e Direitos Humanos: Violência Estatal e a Desmilitarização da Polícia. Sala 107 do Instituto de FIlosofia e Ciências Sociais da UFRJ. ( https://www.facebook.com/events/343411325786922/?ref=2 )
03/07 - 18h - Debate Transporte no Rio de Janeiro - Do Cartel à Tarifa Zero. UFRJ - campus Praia Vermelha. 
(https://www.facebook.com/events/143188482541920/)
03/07 - 20h - Tentando Entender a Conjuntura . Teatro Casa Grande. (https://www.facebook.com/photo.php?fbid=677087458974452&set=gm.542965005766181&type=1&theater)
04/07 - 14h - FÓRUM DE DEBATE Movimentos e Reformas: um balanço provisório? Rua da Matriz, 82, Botafogo. 
(https://www.facebook.com/photo.php?fbid=472003782880896&set=gm.542891895773492&type=1&theater)
04/07 - 16h - MAM NA RUA. Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
(https://www.facebook.com/events/209353195881084/?ref=23)
04/07 - 16h - O Centro de Estudos de Direito e Sociedade (CEDES) promove hoje um debate sobre as manifestações em todo o país com os professores com Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho e Marcelo Burgos, do Departamento de Ciências Sociais da PUC. PUC-Rio, Auditório B6.
04/07 - 18h - #DEZMILNARUADOSERGIOCABRAL. Pelo impeachment do governador e em repúdio à BRUTALIDADE policial! Rua Delfim Moreira com Aristídes Espínola. Leblon.
(https://www.facebook.com/events/142434972622651/)
04/07- 19h - Quintas resistentes: Ditadura, resistência e história. Livraria Antonio Gramsci. Rua Alcindo Guanabara, 17, térreo, Cinelândia. transmissão ao vivo: http://piratininga.org.br/aovivo
(https://www.facebook.com/photo.php?fbid=555958584461541&set=a.154012594656144.31850.151626828228054&type=1&theater)
05/07 - 17h - Aniversário de 10 anos do MUCA + 05J Redes e Ruas. Beco do Lume. (https://www.facebook.com/events/164077770445944/ )

08/07 - 16h, saída às 18h - Manifestação do Santa Marta em Botafogo #Protesto #VemPraRuaSantaMarta.

(https://www.facebook.com/events/214365418711302/?ref=2)

09/07 - 14h - Mesa Redonda Aberta ao Público Eco das Manifestações: Quais caminhos estamos trilhando? Auditório Joaquim Alberto Cardoso de Melo - FIOCRUZ. Av. Brasil, 4365, Manguinhos - RJ.
(https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10201447237244350&set=oa.140684289463686&type=1&theater)

09/07 - APERTE F5, Mobilidade Urbana. SESC Tijuca.
(https://www.facebook.com/events/148729421982834/?ref=25)

09/07 - 18h - Plenária Unificada do Fórum de Lutas
(https://www.facebook.com/events/561079263935351/)

09/07 - 20h - Debate: Você luta pelo quê?. Espaço Cultural Sérgio Porto, Humaitá.
(https://www.facebook.com/events/162212513964063/)

11/07 - Greve: definida pelas centrais sindicais – além da CSP-Conlutas, a Força Sindical, CUT, CTB, UGT, NCST, CGTB, CSB – como um dia de greves, paralisações e manifestações de rua, para cobrar do governo e dos patrões o atendimento de nossas reivindicações. 
(https://www.facebook.com/events/587274181317102/?ref=23)

09-14/07 - Mostra Social em Movimento, Crise Mundial e Alternativas. Caixa Cultural, Avenida Almirante Barroso, 25. 

(http://socialmovimentos.com/)

12, 13 e 14/07 - ENCONTRO POPULAR SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS. CAP UERJ, Rua Santa Alexandrina, nº 288, Rio Comprido - RJ.

(http://enpop.net/)

13/07 - 14h - S.O.S SANTA TERESA. Saída do Largo do Machado em direção ao Palácio Guanabara.

(https://www.facebook.com/events/490108457738957/)

13/07 - 9h-18h - Aquecendo o Coração da Resistência... Encontro das Comunidades de Resistência Impactadas da Região Metropolitana do RJ. UERJ

(https://www.facebook.com/events/151234745049469)

14/07 - 15h - ManiFestival Fora Cabral. Poetas, performers, atores, músicos, artistas em geral... fazendo da arte arma de combate. FORA CABRAL! Largo do Machado.

(https://www.facebook.com/events/541267079268689/?ref=2)

15/07 - 18h - Mulheres nas Ruas por Direitos! IFCS

(https://www.facebook.com/events/146592875537483/)

16/07 - 18h - Plenária Unificada do Fórum de Lutas
(https://www.facebook.com/events/561079263935351/?ref=2)

17/07 - 10h30 - Vandalizando o feminino: debates sobre emancipação, igualdade, mulheres e vadiagem. Salão Nobre, 7º andar, UERJ. 
(https://www.facebook.com/events/178336612342373/ )

17/07 - FORA CABRAL!
 15h -VISITA NA CASA DO CABRAL
 17h - GRANDE ATO NA RUA DO CABRAL.            --  (https://www.facebook.com/events/197451163748178/?ref=2)

18/07 - 09-18h - Reunião para constituição de um fórum interuniversitário de cultura do Rio de Janeiro. Palácio Universitário, Av. Pasteur 250/2o andar. www.forum.ufrj.br
(https://www.facebook.com/photo.php?fbid=649008105111299&set=a.393717463973699.102950.160326977312750&type=1&theater)

18/07 - 18h30 - REUNIÃO DA COMISSÃO DOS MORADORES DO SANTA MARTA. Salão da UNAPE (subida do morro).
(https://www.facebook.com/events/214365418711302/)

22/07 - Ato na recepção do Papa no Palácio Guanabara.
(https://www.facebook.com/events/331586746971226/)
         - PAPAFOLIA!!!! 
(https://www.facebook.com/events/389925371107560/)

27/07 - 13h - Marcha das Vadias. Posto 5. (https://www.facebook.com/events/548955051813101/?ref=23)


Em Agosto... Pressão e acompanhamento da #CPIdosÔnibus!








sexta-feira, 7 de junho de 2013

Por amor à pátria, uma receita de caipirinha?

*Por Victor Serebrenick

A caipira se faz com amor, esterilizado com cachaça, rasgado pela faca afiada, azedado pelo limão, queimado com gelo, adocicado com o coração. A bebida nacional é superior às outras misturas alcoólicas; infelizmente a vulgarização do drinque pela massificação o transforma num gummy de grife de bebedeira; aquele suquinho amargo não é caipirinha, por isso e por amor à pátria, segue a receita máxima da nossa musa tupiniquim.
Pinga branca, sem embalagens muito modernosas de preferência. Escolha limões médios do tipo taiti com a coloração vibrante. Tenha gelo, muito gelo. Deixe o açúcar ao lado. Resgate um copo com largo diâmetro e reto. Qualquer coisa pra amassar e uma bela duma faca sem dentes.
O limão, metade para copo médio e inteiro para copo cheio, deve ter primeiramente suas extremidades retiradas pois ali reside muita fibra que azeda nosso drinque. Corte ao meio e em seguida com dois cortes em formato de ‘v’ retire a fibra branca do meio em cada lado, corte em pequenos cubos e seguimos.
Meia porção do limão no copo, mais o bastante de açúcar pra cobri-lo, amasse tudo. Triture 3 cubos de gelo e jogue-os junto com a cachaça, que deve ultrapassar 100% o nível onde estavam os ingredientes. Amasse de novo.
Mais uns dois dedos de cachaça, uma camada de açúcar, 3 cubos inteiros de gelo, a outra metade do limão e, mais uma vez, amasse. Não hesite em colocar mais aguardente ou gelo pra combinar com seu paladar e fígado, mas lembre que o gelo inteiro serve para suavizar a bebida derretendo enquanto se bebe e o triturado, para ação imediata.

Aí está. Mas, todo gesto deste processo tem de ser feito com carinho. A cachaça não cai, ela é conduzida. O açúcar é borrifado sem “pedrões”. E o mais importante, amasse de forma circular, num procedimento quase transcendental com o fruto, com muito cuidado e sem pressa. Agitar a bebida e trucidar o pobre do limão é pura covardia.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Alergia à verdade – De George Orwell para Amado Batista

*Por Marcelo Moura

No domingo à noite, insone vagando pela televisão, me deparei com o programa da Marília Gabriela, que recebia o cantor e compositor Amado Batista. Por mais incrível que pareça, esse quadro ainda ia piorar bastante. O que parecia ser uma entrevista daquelas de preencher a pauta vazia do jornalista acabou por refletir uma das dinâmicas sociais brasileiras mais amargas: nossa alergia à verdade.

No momento em que parei no canal a conversa girava em torno de um fato até então inédito para mim, Amado Batista foi preso e torturado pela ditadura militar em 1971, pós AI-5. Não sei quase nada dele, só que suas músicas são um saco. Quando associei o contexto da época com a profissão do entrevistado (sem saber que a carreira de cantor só viria depois da prisão) meu primeiro pensamento foi que a imagem que eu tinha sobre o cara ia ganhar alguns pontos positivos, já que a arte na opressão vira uma arma.

O músico deu uma ajudinha pra subversivos e por isso foi preso, achou injusto, mas mesmo assim passou pela rotina de tortura, o que sempre me salta a visão do herói daquele tempo e tem importância redobrada em tempos de abrir os porões da ditadura militar com a Comissão da Verdade, que investiga violações dos direitos humanos de 1946 a 1988 no Brasil. A comissão, desde que foi criada em 2011, avança lentamente para uma tentativa institucional de fazer as pazes na sociedade, mas esbarra no erro renitente do país que fingiu abolir a escravidão, o massacre dos índios e o regime militar, ainda presente na polícia, filha da ditadura.  

Enquanto são reabertos os arquivos, são desmascaradas as mentiras criadas pelos agentes de segurança da época na medida em que “desapareciam” pessoas, prendiam e torturavam à larga escala e fraudavam laudos médicos a cerca das mortes de “subversivos” presos - como é o caso do falso suicídio do jornalista Vladimir Herzog, recentemente investigado pela comissão. As versões da verdade criadas pelos ditadores eram a maneira de fazer com que a população, não enxergasse ao mesmo tempo em que aceitava e corroborava com os excessos de violência cometidos pelo governo, já que o faziam contra aqueles que tentavam uma transformação da ordem vigente num momento futuro. Aqui, a máxima literária orwelliana toma contornos de teoria política: Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.

“1984” de George Orwell é o meu livro preferido. Disparado, difícil tomarem o posto. É brilhante a maneira que o autor digere seu entorno para depois devolver como uma obra de arte capaz de unir o Ser humano e a história tão intimamente. Obrigado a negligenciar a saúde e se submeter a cargas homéricas de trabalho para finalizar o livro, o que foi praticamente um parto que o deixou de cara com a morte, que não tardou a encontrar-lhe em 1950. Não viveu para ver sua utopia se confundindo com a realidade, proibida tanto nos Estados Unidos como na URSS.

A história conta a vida de Winston Smith em uma Inglaterra futurista, sociedade sob a eterna vigia e controle pelo líder do país e de seu único partido, o Grande Irmão. Por meio da contestação à vida ditada pelo partido o personagem começa a enxergar as mentiras sob as quais se sustentam sua nação e passa a crescer dentro dele o genuíno amor pela liberdade e o ódio ao, sempre vigilante, líder. Já na prisão, é submetido à tortura que o leva a um estado totalmente deplorável, sendo finalmente “educado”. Passa a entender que na verdade, ama o Grande Irmão, que é de onde emana a verdade. Um final nada feliz.

Voltando à televisão, foi quando Amado Batista narrava sua prisão que Marília Gabriela o indaga sobre a Comissão da Verdade e a temida prestação de contas. Assim ecoou “1984” e Winston Smith sai da obra de Orwell e senta “de frente com Gabi” para lhe responder que mereceu a tortura. Hoje ele entende, que assim como um pai que precisa educar uma criança, às vezes usando a força, os militares o educaram. Amado batista havia aprendido a ordem, o progresso e a didática da hierarquia militar, de cima pra baixo. Aprendeu na porrada.

Assim como o cantor, grande parte da sociedade brasileira também aprendeu, mesmo que através de “técnicas de ensino mais sutis”. Nosso sistema educacional continua beneficiando apenas as elites enquanto continua a ensinar a passividade com que lidamos com nossas injustiças históricas. Escolas militares, tidas em alto grau como centros de excelência de estudos, ainda ensinam a “Revolução Democrática de 1964”. Nossos meios de comunicação, através dos quais, muitas pessoas são educadas nesse país, ainda se recusam a abrir mão dos benefícios da verdade manipulada. O grande Irmão agradece. Ironicamente, o Big Brother aqui é um sucesso!

“Duas lágrimas cheirando a gin escorreram de cada lado do nariz. Mas agora estava tudo em paz, tudo ótimo, acabada a luta. Finalmente, lograda a vitória sobre si mesmo. Amava o Grande Irmão.”